Sentimentos primeiro

Sentimentos primeiro

Se queremos entender religião, então precisamos olhar para nossa história profundamente para entender como nossos ancestrais humanos evoluíram para viver em grupos em primeiro lugar.
Nós somos, afinal de contas, descendentes de uma longa linha de hominídeos com "laços sociais fracos e sem estruturas de grupo permanentes", diz Jonathan Turner, autor do livro A Emergência e Evolução da Religião. Isso levou Turner ao que ele considera a pergunta de US$ 1 milhão: "como a seleção de Darwin trabalhou na neuroanatomia dos hominídeos para fazê-los mais sociais para que eles pudessem gerar conexões sociais para formar grupos? Isso não é algo natural para macacos".
Nossa linha de macacos evoluiu do nosso último ancestral comum há 19 milhões de anos. Os orangotangos se separaram entre 13 e 16 milhões de anos atrás e o gorila entre 8 e 9 milhões. A linha do hominídeo se dividiu em duas entre 5 e 7 milhões de anos atrás, com uma das linhas levando aos chimpanzés e bonobos e outra até nós. Nós, humanos modernos, compartilhamos 99% dos nossos genes com chimpanzés - o que significa que somos os macacos mais próximos da linha inteira.
As semelhanças entre humanos e chimpanzés são bem conhecidas, mas uma diferença importante tem a ver com tamanho do grupo. Chimpanzés, em média, conseguem manter um grupo de 45 elementos, diz Dunbar. "Parece que esse é o maior tamanho de grupo que pode ser mantido por aliciamento", diz ele. O tamanho médio de um grupo humano é de 150, conhecido como "o número de Dunbar". O motivo disso, segundo ele, é que os humanos têm a capacidade de chegar a ter três vezes mais contatos sociais do que os chimpanzés devido uma certa quantidade de esforço social. A religião humana vem dessa capacidade maior de sociabilidade. Como?
Como nossos ancestrais símios se mudaram de habitats de florestas para ambientes mais abertos, como as savanas no leste e sul da África, as pressões de Darwin agiram sobre eles para torná-los mais sociáveis e assim ter maior proteção de predadores e um melhor acesso a comida. Também tornou mais fácil achar um parceiro. Sem a habilidade de manter novas estruturas - como pequenos grupos de cinco ou seis chamados famílias nucleares - esses macacos não teriam sido capazes de sobreviver, segundo Turner.
Então como a natureza realizou esse processo de socialização? Turner diz que a chave não está no que tipicamente entendemos como inteligência, mas com as emoções, que foram acompanhadas por algumas mudanças importantes na estrutura do nosso cérebro. Ele afirma que as alterações mais importantes têm a ver com as partes subcorticais do cérebro, o que deu aos hominídeos a capacidade de sentir um leque mais amplo de emoções. Essas emoções a mais promoveram a conexão, uma conquista crucial para o desenvolvimento da religião.

ReverênciaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionSentimentos religiosos complexos muitas vezes são a combinação de muitas emoções. A reverência, por exemplo, é uma mistura de medo e felicidade

O processo de melhoramento da região subcortical a que Turner se refere data de 4,5 milhões de anos atrás, quando o primeiro Australopitecos surgiu. Inicialmente, a seleção aumentou o tamanho de seus cérebros em 100 centímetros cúbicos (cc) além do cérebro dos chimpanzés, para cerca de 450 cc (no Australopitecos afarensis). Para fazer uma comparação, isso é menor nos hominídeos mais recentes - o Homo habilis tinha uma capacidade cranial de 775 cc, enquanto o Homo erectus tinha uma um pouquinho maior, de 800-850. Os humanos modernos, por outro lado, tem um cérebro muito maior do que qualquer um desses, com uma capacidade cranial de até 1.400 cc.
Mas esse tamanho cerebral menor não significa que nada estava acontecendo no cérebro do hominídeo. Turner diz que o tamanho do cérebro não reflete o melhoramento subcortical que estava acontecendo entre o surgimento do Australopitecíneo (cerca de 4 milhões de anos atrás) e do Homo erectus (1,8 milhão de anos atrás). "Está na história de como esses mecanismos [subcorticais] evoluíram que as origens da religião podem ser descobertas."
Apesar do neocórtex dos humanos ser três vezes o tamanho da dos macacos, o subcórtex é apenas duas vezes maior - o que leva Turner a acreditar que o aprimoramento das emoções dos hominídeos estava em curso antes que o neocórtex começasse a crescer para o tamanho humano atual.
Como a natureza conseguiu isso? Você provavelmente já ouviu falar sobre as chamadas quatro emoções primárias: agressão, medo, tristeza e felicidade. Qual sua primeira impressão sobre essa lista? Três das emoções são negativas. Mas a promoção da solidariedade demanda emoções positivas - então a seleção natural teve que encontrar uma maneira de "desligar" as emoções negativas e aumentar as positivas, diz Turner. As capacidades emocionais dos grandes macacos (principalmente os chimpanzés) já eram mais elaboradas que as de muitos outros mamíferos, então a seleção natural já tinha uma boa base para começar o trabalho.
Nessa altura de seu argumento, Turner introduz o conceito de elaborações de primeira e segunda ordem, que são emoções que resultam de combinações de duas ou mais emoções primárias. Então, por exemplo, a combinação de felicidade e raiva gera vingança, enquanto a inveja é resultado de raiva e medo. A reverência, que está muito presente na religião, é a combinação de medo e felicidade. Elaborações de segunda ordem são ainda mais complexas e ocorreram na evolução do Homo erectus (1,8 milhão de anos atrás) para Homo sapiens (cerca de 200 mil anos atrás). Culpa e vergonha, por exemplo, duas emoções cruciais para o desenvolvimento da religião - e são a combinação de tristeza, medo e raiva.

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